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sábado, 7 de abril de 2012

Ocupamos. E agora?

     Mal tinha começado o ano de 2011 e dois governos ditatoriais haviam sido derrubados por mobilizações populares, no Egito e Tunísia. A Primavera Árabe começava a dar sua cara quando, em maio, o movimento dos indignados tomou a Porta do Sol na Espanha. Assim se seguiu pelo resto do ano: Grécia, Síria, Líbia, Chile, Israel, Estados Unidos e até Brasil foram palco um movimento global de indignação contra o que o geógrafo americano David Harvey chama de “partido de Wall Street”. Depois de decretado o fim da história no inicio da década de 1990 – com o fim da União Soviética e a vitória do neoliberalismo – a roda voltava a girar.

Praça Tahrir, no Egito: um dos principais símbolos da Primavera Árabe. Foto: Mohammed Abed/AFP
     Um ano depois, alguns governos derrubados – e outros ainda em pé – estudiosos tentam entender o que ocorreu. Na Espanha, as livrarias já têm estantes inteiras com publicações sobre o tema. O Brasil acaba de lançar a primeira. “Occupy – movimentos de protestos que tomaram as ruas”, da Editora Boitempo, é uma coletânea de artigos de filósofos, historiadores, geógrafos e sociólogos sobre os movimentos populares que ocuparam as principais praças da periferia ao centro do capitalismo financeiro.
     A maior parte dos textos foi produzida no calor da hora – discursos proferidos em meio às mobilizações ou publicados em veículos de imprensa. O preço (10 reais) só foi possível por conta da cessão de direitos dos tradutores, autores e fotógrafos para a realização de uma obra cujo único objetivo é ser espalhada.
    Um denominador comum aparece em todos os textos: que tipo de estrutura política vai sustentar essa energia de mudança? Os partidos e organizações sindicais servirão como a plataforma necessária para estruturar essa nova esquerda no poder?
    “Na Espanha, houve uma ingenuidade na formulação de propostas e uma recusa a disputar as eleições e ganhar a hegemonia. O que Zizek [Slavoj Zizek, filósofo esloveno e um dos principais expoentes do pensamento filosófico da esquerda mundial, coautor de "Occupy"] chamou de ausência de concretização”, afirma Henrique Soares Carneiro, professor do departamento de história da USP, um dos autores do livro e presente no debate de lançamento a quarta-feira 4, no espaço Cult, ao lado de Edson Teles e Vladimir Safatle, colunista deCartaCapital.
    “Criou-se o que parecia impossível: um movimento espontâneo de organização popular, sem centrais sindicais e partidos no centro, marcado por um profundo desencanto”, afirma Vladimir Safatle, professor do departamento de Filosofia da USP, sobre o movimento que despontou na Tunísia, depois que um vendedor colocou fogo em si mesmo por sentir-se humilhado ao ser espancado pela polícia por não pagar propina.
    “Numa época em que tudo é muito rápido, as ocupações demonstram que a vontade de mudança exige insistência”, explica. Ocupar, e sair só quando alguma coisa mudar.
     Para Carneiro, a esquerda tradicional se incorporou ao poder e tornou-se seu próprio algoz. Os partidos que executaram os piores planos de resgate e permitiram a crise estrutural do capitalismo eram justamente aqueles que se autointitulavam progressistas, como o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). O fato é que, ao deixarem de se sentir representados e abdicarem da disputa eleitoral, os indignados permitiram que a direita subisse ao poder.
     No caso da Espanha, com a eleição de Mariano Rajoy, do PP (Partido Popular). Na Grécia, foi o próprio partido comunista que defendeu o parlamento da invasão dos manifestantes mais radicais contra a troika.

Democracia real

     Final de 2011, a Grécia à beira do colapso, a população sofrendo a consequências das barbeiragens financeiras de governo e empresários. O então primeiro ministro George Panpadreou afirmava que aprovaria o plano de austeridade – pré-requisito para o pacote de resgate da União Europeia – por referendo popular. A decisão não só chocou os líderes europeus como provocou sua substituição imediata e completamente antidemocrática do poder grego.

Ex-primeiro-ministro grego Georges Panpadreou, rechaçado por querer dar voz ao povo. Foto: Yiannis Liakos/AFP

O que ninguém lembrou na hora é que a medida apenas repetia a atitude do governo islandês três anos antes. Em 2008, a Islândia, ilha fiscal que sobrevivia do capitalismo financeiro, quebrou. Os credores vieram cobrar. O presidente, recorrendo à constituição, garantiu que as medidas de auxílio aos grandes em detrimento de direitos essenciais aos pobres passassem por plebiscito popular antes de sua aplicação.
     Deu “não”, duas vezes.
    “A lógica é simples: decide quem paga a conta”, afirma Safatle, que relembra a história em Occupy. A pequena ilha nórdica é uma das que mais cresce hoje.
     “Austeridade. É como se estivessem tratando com uma criança. É a infantilização de todo um país para justificar as medidas mais absurdas”, comenta.
     Segundo o filósofo, a Islândia deu um exemplo de democracia real ao dar à população o direito de decidir sobre uma questão tão importante. A democracia real foi uma das principais bandeiras dos indignados espanhóis. Se a esquerda tradicional não deu conta de impedir a ação destrutiva do capitalismo financeiro, a extrema esquerda é raquitica eleitoralmente e a classe trabalhadora na Europa, composta em sua maioria por imigrantes, não se organiza sindicalmente, qual o modelo?
   Enquanto Safatle sinaliza para uma estrutura pós-partidária e de um esvaziamento da velha política, Carneiro ainda confia na força de agregação de partidos e sindicatos. Na semana passada, uma greve-geral organizada pelo movimento sindical parou a Espanha e reacendeu a energia de contestação. No Brasil, as grandes greves nas obras do PAC, nas usinas de Jirau e Santo Antônio, principal bandeira do governo de Dilma Rousseff, marcaram o ano de mobilizações no país.
    Aqui, como lembrou o filósofo Edson Teles, coautor do livro, a população ficou ausente desse movimento mundial. Enquanto em vizinhos como o Chile grandes manifestações tomavam as ruas, no Brasil a luta social não foi expressiva – apesar das marchas contra corrupção, o marcha pela legalização da maconha e as lutas localizadas de trabalhadores citadas acima.

Trabalhadores da usina de Jirau sinalizam que as velhas formas de manifestação ainda funcionam. Texto e foto: Luiz Alberto Carvalho

   Segundo ele, isso ainda reflete a estatização das lutas sociais, que começou com as desmobilizações durante a transição democrática, com a vitória da Lei da Anistia, o adiamento das Diretas Já com o governo Sarney e até a Constituição de 1988, que deixou de fora pontos nevrálgicos como a questão agrária.
   Com a instauração do lulismo no poder, afirma, esse processo se intensificou, ao fortalecer as estruturas que o PT sempre combateu.
   Nesse caso, Safatle aposta no potencial de mobilização da nova classe média, quando a conta dos serviços privados de educação e saúde começar a pesar no bolso.